terça-feira, 25 de novembro de 2014

Das conversas difíceis de se ter com os pequenos

Não tenho medo de conversar com crianças. As perguntas que muitas vezes arrepiam pais e mães, não me intimidam. Acho que não há assunto proibido. Mesmo. Basta adequar a linguagem, o vocabulário e tentar usar exemplos mais concretos, que se aproximem ao máximo à realidade da criança, de acordo com sua idade.

Alice está naquela fase de se interessar pelas diferenças anatômicas e eu nunca passei aperto. Acredito que a segurança do adulto ao responder é exatamente o que evita a criação de tabus, fantasias mirabolantes de que o assunto é misterioso, dúvidas insalubres... Respostas diretas, com naturalidade, é que fazem com que aquilo pareça algo comum e até desinteressante.

Maaaas... Tem sempre um "mas", né? Há as questões sobre religião e suas manifestações em nossa cultura. Dudu e eu somos ateístas. Do tipo não praticante, rsrsrs. Não atacamos a fé. Não cremos, mas entendemos quem crê e quem da religião precisa e se serve. Entendo que, socialmente, a fé religiosa tem um papel bastante importante, a despeito dos abusos e distorções que abundam na história de praticamente toda religião.

Como profissional de saúde mental, já tive tanto inimigos quanto aliados religiosos no tratamento de meus pacientes. Tenho em minha agenda, o número do Eclesiastes que diz que Deus criou os médicos como instrumento para tratar da saúde, blá blá blá. Dica de um pastor. Funciona!

Estava tranquila sobre essa questão de religião. Lidava muito bem com isso. Até repondo "amém" e "vai com Deus também" sem constrangimento. Digo "Nossa!" e "graças a Deus!". E então veio Alice... E a páscoa, e o Natal, e "papai do céu" isso, "papai do céu" aquilo... E o fato de que estamos mergulhados nesta cultura cristã do arrependimento sincero que a todos salva, do olho por olho, da caridade para ir pro céu, que permeia nossa língua, nossas festas, a noção de família, a política.

A singela árvore que minha mãe me fez montar com as "sobras" de enfeites natalinos da casa dela, e um providencial pinheirinho esquecido debaixo da escada


Aí é que eu me lasco e prevejo muita saia justa. Não me lembro de ter acreditado em Papai Noel ou Coelhinho da Páscoa. Não foi sem custo, mas também não teve grandes repercussões psíquicas. Apenas uma falta de empolgação com o Natal. Mas a questão religiosa me garantiu muita confusão, culpa, medo. Só na fase adulta consegui me livrar disso.

Como dizer para uma pequena de dois anos que a vovó bisa está errada... Não foi Papai do Céu que a enviou pra mim? Tenho usado de perguntas retóricas. Mas quando ela perguntar "quem é Papai do Céu", onde ele está... Ai de mim!

Sobre as festas tento ensinar os bons valores. Não tento escapar ou fingir que não é com a gente. Muito menos ataco a fé alheia. Acho desrespeitoso. A minha falta de fé é atacada frequentemente e alvo de preconceito, é verdade, mas nós ateístas easy going não praticamos o olho por olho. ;)

Meus pequenos têm avós, tias e tios de fé ou de entrar na onda cultural-capitalista e não quero tirar a diversão deles. Porque é divertido caçar ovos, abrir presentes, celebrar em família!

Calar-me é concordância tácita e acrítica. Atacar é gerar um conflito interno talvez desnecessário e difícil.

Sinuca de bico, mato sem cachorro, beco sem saída. Alguém aí tem uma dica?

sábado, 1 de novembro de 2014

O dia em que quase me tornei uma psycho mom!

Logo que engravidei da Alice, percebi que há vários tipos de mãe. Assim como em qualquer papel na vida, assumimos, como mãe, um certo modus operandi que reflete, em grande parte, a postura que temos com todo o resto. O núcleo duro da maternidade, no entanto, só se forma depois do resultado positivo.

Não tem jeito... Niqui você lê o resultado do teste, sua personalidade começa a se alterar. Isso funciona todas as vezes, para quantos filhos você tiver. Cada filho traz novas preocupações, aguça a sede por informação e conhecimento, e também a curiosidade pela maternagem alheia.

Subjetividades e peculiaridades a parte, é possível categorizar as mães em grandes grupos, conforme o "grosso" de seu comportamento em relação aos filhos.

Os grupos mais comuns encontrados na internet são "azíndia" e as "menasmain", por, em certa medida, se antagonizarem sobretudo quanto à forma de parir. Mas a forma de se comportar e agir vai muito além do parto. Aliás, o parto é só um reflexo da essência da mulher e da mãe que ela se tornou após se deparar com o "positivo".

Só que o grupo-mãe (sacou o duplo sentido? Sacou?) abrange todos os grupos e impõe uma convivência. Mães se agrupam, aonde quer que você vá. Existe uma solidariedade tácita que funciona como um ímã em locais públicos. Experimente: vá com uma barriga ou criança para uma praça, parque, praia... Outra mulher vai se aproximar de você e puxar assuntos relativos a criação de filhos, comportamento infantil, gravidez, parto, amamentação, alimentação na infância, desenvolvimento bio-psico-social. Batata. Como diria Nelson.

Basta duas ou três frases ou comportamentos para você conseguir categorizar aquela mãe. Tem um tipo que me causa arrepios e que Dudu e eu apelidamos carinhosamente de "psycho moms".



As psycho moms têm como missão maior na Terra provar que você é uma mãe ruim. Não importa o quanto se esforce, você sempre faz algo errado ou de forma insuficiente. Seja para seu filho, seja por você mesma. Elas perguntam. Perguntam muito. E a cada resposta sua, uma expressão de desaprovação e um conselho de como fazer melhor. O pior é que a crítica é sempre velada, disfarçada de relato em que ela teve uma atitude mais adequada, de uma listagem de alternativas mais interessantes ou de um incentivo para que, da próxima vez, você consiga fazer certo.

Eu só percebi a existência das psycho moms depois que Alice nasceu. Todo conselho e relato na gravidez da Alice, por intrometido e absurdo que fosse, eu tomava como um cuidado, um carinho conosco, um desejo de que tudo corresse bem. Ouvia, filtrava, transmutava tudo em ouro!

Já com Alice nos braços, e na gravidez do Miguel, eu mesma fiz muita auto-crítica e acho que acabei aguçando os ouvidos. Além disso, por razões as mais diversas, travei contato e conhecimento com um número muito grande de mães e gestantes. Elas simplesmente pulularam na minha vida.

De tudo que elas tinham a perguntar e observar sobre a minha maneira de ser mãe, o parto era, de longe, o assunto de maior evidência. Pessoas que eu nunca tinha visto na vida, que não sabiam nem mesmo o meu nome, queriam saber do meu parto antes de saber minha graça. Logo eu, que tenho tanta bossa para mostrar...

Nem sei quantas vezes quase pedi perdão por ter feito uma cesárea. Perdi a conta do quanto expliquei sobre a miomectomia prévia a completas estranhas, para tentar provar que eu não era menasmain. Um sem número de vezes justifiquei o porquê de parar de amamentar a Alice com 1 ano e 3 meses. Dei muita explicação sobre a Alice não usar chupeta ou mamadeira, não comer sal no primeiro ano ou açúcar até os dois. Vi muitos olhos se arregalarem ao declarar que odiei minha curtíssima experiência com a babá eletrônica ou que eu não teria babá (das de carne e osso). Não, nem depois do segundo filho. Algumas quase engasgavam quando me ouviam dizer que eu desejava entrar em trabalho de parto, mesmo que tivesse que fazer mais uma cesárea e que, não, eu não achava parto normal algo medieval.

As menasmain são menos propensas a serem psycho, porque simplesmente são menos propensas a preocupações sobre maternagem. Principalmente a alheia. Mas elas olham com julgamento e se afastam disfarçadamente, pois acham que indianice é contagioso. Vai que da próxima vez elas decidem amamentar para além de 3 ou 4 meses... Já pensou no preço da plástica para os seios? Melhor gastar em fórmulas!

Já azíndia são, em geral, sedentas por informação. O que é ótimo, quando isso se reverte em melhoria nos cuidados consigo e com sua cria. O que ocorre é que, muitas vezes, elas querem salvar o mundo enfiando informações a machadada na cabeça alheia. Pedem descrentes que você leia e se informe, mas tratam de adiantar o assunto, caso você se esqueça da expressão "parto humanizado" até chegar em casa para pesquisar no Google. Isso afugenta demais as menasmain e faz os dois grupos se afastarem. Pior para as crianças e para as mulheres em geral.

Tenho e amo amigas índias e menas. É divertido brincar de categorizar assim, mas toda mãe é mãe. Simples assim. Fujo o quanto posso das psycho de qualquer sorte, no entanto. Mas outro dia, gente, fiz um enorme exercício de autocontrole. Por pouco, por muito pouco, não virei uma psycho mom.

Estava no centro de saúde com o Miguel. Aguardávamos o mocinho da vacina, quando chegou uma gestante. Travamos conversa de mãe, claro! Não perguntei sobre as opções dela. Tenho disciplina suficiente para não impor meus valores como muitas vezes me foi imposto os de outrem. Foi ela quem abordou o assunto do parto. Disse que faria uma cesárea porque tem 43 anos, tem uma condição de saúde que lhe impões injeções diárias na barriga e não quer arriscar. Melania, balela, enganação do seu GO, desnecessária, desinformação... Tudo isso passou pela minha cabeça numa fração de segundo. Respirei, me contive e disse que, caso tenha interesse em ter um parto normal, busque ler mais sobre o assunto e que, ao menos, busque saber sobre parto humanizado. Expliquei que passei pelas duas experiências e por isso sugiro que busque saber um pouco mais. Mudei eu mesma de assunto para não virar "a louca do posto". Enfrentei estoicamente a situação e não me converti numa psycho mom!