sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Apenas uma sexta-feira normal

Na sala de embarque, a mãe andava de mãos dadas com um menino que tentava se desvencilhar e chorava, e gritava. 
Ela sentou-se, tentou acalmá-lo. Não adiantou. Ela olhava nervosa o cartão de embarque e os monitores, confusa sobre qual era seu portão. Conversou com dois funcionários do aeroporto que a orientaram, sem sequer olhar para a criança de mais dadas com ela, esgoelando.
Ela dirigiu-se ao portão e embarcou no mesmo voo que eu.
O menino seguiu chorando muito. A mãe recebeu muitos olhares de reprovação no aeroporto e no avião. Mas nenhuma oferta de ajuda, nenhuma palavra de apoio.
A aeromoça veio e ofereceu... pasmem... bala! Era pra criança se acalmar.
Ele seguiu chorando.
Estava quase ao lado. Perguntei se podia ajudar de alguma forma, ela respondeu que ele estava muito nervoso. Em linguagem materna isso quer dizer: não, pelamor! Qualquer interferência externa só piora. Só nos deixem quietos, sem olhares de julgamento, por favor.
Sei porque já estive nesse lugar.

Uma menininha veio ver, curiosa. Quando foi chamada de volta para seu assento, foi a contragosto. Quando a mãe foi afivelar seu cinto, começou ela própria uma birra. Gritando muito, chorando e se debatendo.
Os olhares de reprovação agora tinham dois alvos.
Alguns passageiros solicitaram trocar de lugar e foram atendidos.
As aeromoças começaram a distribuir os fones de ouvido e todos aceitaram, não sem deixar claro que era um recurso pra amenizar o terrível sofrimento de ouvir aqueles choros.
O homem atrás de mim achou por bem observar que as crianças do tempo dele não faziam aquilo. Bastava um olhar.
O do meu lado estranhou quando recusei os fones e me perguntou com ironia: você vai aguentar? Respondi: tenho dois filhos.
Ele não se contentou e emendou: eu também. Mas o meu deu uma birra de, no máximo, cinco minutos. Logo o distraímos com outra coisa e colocamos o cinto.
Permaneci em silêncio.
Ele continuou: Mas os seus filhos não fazem assim. Duvido!
Eu respondi: Não duvide. Eu não sei da sua vida, mas provavelmente você só não passou tempo suficiente com eles para presenciar algo assim. Certamente a mãe deles teve alguma experiência semelhante. E certamente não recebeu apoio e enfrentou sozinha. E certamente se sentiu julgada. E foi.
Ele me passou a bebida e o lanche, recolheu o lixo e repassou à comissária por mim, pegou minha bolsa no bagageiro, me deu passagem na saída do voo. E eu nem acrescentei que o balanço constante das pernas dele me incomodavam mais que os gritos das crianças. E ele não deixou de olhar incomodado para as mães.
O menino dormiu cansado, durante a decolagem.
A menina gritou ainda por uns 10 minutos. A comissária veio checar se a mãe havia dado as balas, se estava num canal de desenho, se os fones funcionavam. A mãe respondeu envergonhada a todas as perguntas.
A menina dormiu exausta. 
As mães das crianças as olhavam com preocupação, acariciando-as, ambas.
As crianças acordaram quase juntas durante o pouso. Os passageiros se entreolharam apreensivos.
As mães as olharam com um sorriso, fizeram carícias e deram beijos. O passageiro atrás de mim falou: por isso é que ficam assim!
No caminho entre a aeronave e o saguão, outra mãe, com outra criança, saiu da faixa azul para pedir uma informação a um técnico que estava lá perto. O casal atrás logo disse do absurdo de sua atitude, e que se ela fosse atropelada, não poderia reclamar.
As mães seguiram sozinhas com suas crianças, suas bagagens, seu cansaço, sua resignação. As pessoas seguiram sem alterar suas vidas com aqueles episódios, mas com uma história pra contar de como sofreram naquele terrível voo com crianças sem limites, mimadas e mal educadas, e suas mães sem pulso e incapazes, que sequer saber lançar olhares fulminantes e silenciadores como as boas mães de outrora.
E eu indo fazer um curso sobre concepções de infância e imagem da criança.