segunda-feira, 28 de julho de 2014

O que a luta pelo parto humanizado poderia aprender com a luta antimanicomial

Lendo este artigo, ficou mais forte em mim a ideia de que, desde que comecei a ler e pesquisar sobre parto humanizado, vejo alguma semelhança na história da loucura e na história do parto. Ambos, loucura e parto, foram apropriados pela medicina e confinados onde os homens do saber sobre os corpos consideravam mais adequado: um no manicômio, outro no bloco cirúrgico.

A luta antimanicomial, com a qual tenho mais intimidade, já colhe frutos mais substanciais em muitos lugares. Em Belo Horizonte, uma rede coesa, eficiente, embasada foi construída. Hoje corre muito risco de desmantelar-se, mas isso é outra história... O que cabe aqui dizer é que ela tem muito a ensinar a outras lutas, como a luta pelo parto humanizado.



A luta pelo parto humanizado, por outro lado, ainda tem longo (longuíssimo) caminho pela frente. Parir fora de um bloco, com protagonismo, autonomia, de forma saudável, é trabalhoso. A mulher que decide não ter uma parto asséptico em um bloco cirúrgico conta com poucos profissionais e locais que possam acolhê-la, deve estudar e informar-se muito, e, ainda assim, brigar para ter suas decisões e escolhas asseguradas. E, muitas vezes, pagar caro por isso.

A semelhança das duas lutas poderia estar não apenas na medicina que tenta dominar os corpos e assujeitar as pessoas. Poderia também estar na construção de saídas possíveis. Os profissionais de saúde mental assumiram posturas afins, com embasamento teórico claro e coerente, discurso unificado e, sobretudo, investiram em criar políticas e práticas que possibilitassem uma reversão do quadro de horror que era o tratamento dado pela medicina e pela sociedade à loucura e ao louco:


  • Escolas de formação;
  • Ampla bibliografia; 
  • Criação de leis e políticas públicas claras; 
  • Presença de profissionais afeitos à luta na academia, na secretaria de saúde, nas unidades de saúde; 
  • Formação da referida rede, com a criação de serviços substitutivos e fechamento de hospitais psiquiátricos.

No que diz respeito ao parto humanizado, encontrei profissionais que trabalham de forma independente, que se indicam e se admiram, mas estão longe de formar uma equipe, ou mesmo um conjunto. As leis e políticas ainda são incipientes, em formação. A bibliografia (e videografia) tem caráter altamente panfletário.



Há um ativismo relativamente forte, mas também capaz de criar mal estar e antagonismo com as mulheres que se submeteram às condições correntes, tratando-as como vítimas ou desinformadas, mas sempre como fracas. Algumas vezes, um ativismo mais de ataque ao inimigo (os cesaristas, por exemplo) do que de construção de práticas ideais.

Fala-se em escolha, empoderamento, protagonismo... Soa bastante estranho quando dizem que a mulher tem o direito de escolher a via de parto, quando, na verdade, o ideal é que a cesárea só ocorresse quando realmente necessário. Não é incoerente, então, dizer de uma escolha? A mulher e o bebê terem o poder e o protagonismo não deveria ser a regra? A luta não deveria ser por isso, e não por poder escolher?

O discurso não é coeso, há incoerências, a luta parece de um apunhado de quixotes investindo contra enormes, poderosos e inabaláveis moinhos.

Se a luta pelo parto humanizado é ainda tão embrionária e, em certa medida, desorganizada, não vou nem começar a falar da assistência e acompanhamento do pós parto. Digo apenas que é temerário! 

Felizmente, há algumas Blimundas - capazes de enxergar as vontades das pessoas, recolhê-las, a fim de, um dia, fazer essa Passarola voar...


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