terça-feira, 16 de setembro de 2014

Dos partos que eu tive... - Parte VI: It is time for stormy weather!

A bonança veio antes da tempestade. Depois de um parto idílico, um pós-parto infernal! Não sei porque Cérbero não nos aguardava na porta da enfermaria. 

Parir num hospital público, onde acontecem cerca de 900 partos/mês, leva ao risco de ir parar numa enfermaria com 7 baias, lâmpadas fluorescentes acesas 24h, muito barulho, entra e sai, muito desconforto, um sem número de protocolos, nenhuma privacidade e atendimento precário.

Tive que permanecer internada 48h após o parto, ainda que tenha tido um parto normal, por ter uma cesárea prévia. Foram 48h terríveis. 

O hospital estava muito cheio e acabei parando numa enfermaria que, a despeito de ser para quem teve parto normal, só tinha mulheres que passaram por cesáreas. Isso significa horários para remédios, horários para banho... Horários que podiam ser no meio da madrugada. Também significa mais visitas de profissionais que, para examinar as mães, pediam a todos os acompanhantes homens que se retirassem, ainda que fosse no meio da madrugada.

No dia seguinte, fizeram ajustes para acomodar as mães em enfermarias adequadas. Ou seja, trocaram todas as minhas coleguinhas. Como era a única a ter tido um parto normal, fui a única a permanecer. Entra e sai de pessoas se acomodando nas baias. Mais apresentações. Pais, mães e avós querendo exibir os rebentos.

Tive edema e dor no períneo. Mesmo com a prescrição da enfermeira, demorei cerca de três horas para conseguir uma compressa fria - uma luva de procedimentos com água gelada. Também senti dor na região do corte da cesárea, mas não recebi qualquer atendimento. Apenas a técnica responsável pela enfermaria conversou com a enfermeira, que falou para me dar o analgésico mais forte, que já estava prescrito, mas só é ministrado se a paciente solicita. 

Dr. Lucas, nosso surfixxta favorito, estava de plantão no domingo a noite e foi me ver. Com a tranquilidade peculiar de quem passa horas no mar esperando a onda perfeita, chamou o edema que estava me matando de edemazinho, dizendo que era (adivinhem!) normal. Avaliou o sangramento e disse que estava ótimo, que minha recuperação estava ótima. Rsrsrs. Prescreveu um spray para o períneo, fez uma piadinha sobre a rapidez do parto, observou que escapei de uma cesárea desnecessária (e juro, sem nenhum ar de "eu te disse! Eu te disse!), e saiu flutuando, deixando cheiro de maresia. 

Eu estava exausta, Miguel ficou estressado. Na segunda madrugada, estava acompanhada pela tia Naná (já citada algumas vezes nesta série), que revezara com o Dudu. Ela é técnica em enfermagem, acabou de aposentar-se e trabalhava justamente na maternidade, no IPSEMG. A presença dela aliviou, e muito, todo o desconforto da situação.

A técnica de enfermagem da enfermaria onde eu estava emendou dois plantões e estava prestes a completar 24h em serviço. Já é complicado trabalhar ali em condições normais de temperatura e pressão, após tantas horas, não há paciência e amor à profissão que salve, né? Por volta das quatro da madrugada, Miguel estava mamando há mais de duas horas. Tirei ele do peito e ele começou a resmungar. O local estava relativamente calmo há cerca de meia hora e o choramingo tirou a técnica do controle. Ela logo veio me dizer, tentando ser educada, mas visivelmente nervosa, que o protocolo era de livre demanda. Repetia tensa "livre demanda! Livre demanda!" Até comecei a argumentar, mas logo percebi a inutilidade. Deitei-me com ele (não que houvesse opção, pois o bebê fica acomodado na cama da mãe) e o acalmei, sem precisar colocá-lo novamente no peito. 

Na baia em frente, estava uma menina de treze anos. Havia parido um bebê prematuro e teve tantas lacerações que mal conseguia sentar-se. Lutava, desde a tarde anterior, para fazer o bebê, muito agasalhado e enrolado num cobertor (fazia bastante frio), pegar o peito e aprender a sugar. Ninguém a orientara a desagasalhar um pouco a criança, colocar em contato com sua pele. Aproveitei as profissionais ocupadas na hora dos banhos dos bebês e ajudei-a a recostar-se na cadeira, ficando mais confortável, abrir a roupa, tirar o cobertor da menininha e colocá-la bem próxima de si. Cobri as duas com o cobertor. 

A técnica que foi auxiliar no banho dos bebês ficou impaciente porque eu quis dar no balde. Nos deixou por último. Quando terminei, a menina me chamou para mostrar que a bebê estava mamando. Tinha conseguido pegar os dois peitos.

Passamos, Miguel e eu, por uma série de protocolos e avaliações pela enfermagem, fono, pediatra. Miguel precisou fazer um exame de sangue, porque eu tinha tido infecção urinária e o exame após o término do tratamento não tinha ficado pronto antes do parto. Tive palestra sobre aleitamento. Minha tia teve palestra para os acompanhantes. Perdi uma refeição porque Miguel estava mamando. É proibido comer na enfermaria. A comida é boa, o refeitório cheio e com filas. Levei um monte de coisas - lanches e água - que acabei distribuindo na enfermaria. Eram pro longo trabalho de parto, lembram?

Na segunda-feira a tarde, finalmente alta! Enfrentar o anel rodoviário minutos antes do jogo do Brasil pela Copa. Poucas vezes me senti tão feliz em voltar pra casa! Melhorou a dor, o ânimo, a disposição, o cansaço...

There is no place like home

Fisicamente a recuperação é muito mais rápida, fácil e confortável. Novamente não tive qualquer dificuldade para amamentar. A fisio sugeriu algumas sessões para o períneo, por causa das lacerações. A dor nas costas é muita, agora que são dois pequenos para carregar.

Na consulta do quinto dia, Miguel estava muito amarelinho. Precisamos voltar ao Sofia para mediar a bilirrubina. Só de pensar na possibilidade de ter de ficar novamente no hospital, tive vontade de chorar. Felizmente a taxa estava abaixo da recomendada para foto. Novo teste no dia seguinte, havia baixado consideravelmente. Acho que nada me deu tanto alívio na vida... Por ele estar fora de risco, principalmente, e por não precisar viver aquela experiência hospitalar infernal de novo.

O segundo puerpério foi mais difícil. Pelas dificuldades próprias do momento; por ter Alice ainda bastante dependente, descobrindo a novidade de ter um irmão e ter de dividir meu tempo e minha atenção; porque as pessoas parecem acreditar que precisamos de menos ajuda, por já termos passado por isso; porque o cansaço é maior... Me senti mais frágil e passei por muitos momentos em que achava que não ia dar conta. Senti que tive menos apoio, menos visitas, ficando mais sozinha com meus dois pequenos. 

Ainda é difícil. Ainda tem horas que bate certo desespero, em situações que parecem de um filme de comédia. Estamos criando nossas rotinas, nossos meios de lidar com as dificuldades. Estamos aprendendo a conviver, dividir, esperar, ajudar, ter mais compreensão e paciência... A ser uma família de quatro pessoas e um cão. Consoante meu desejo!

Comprometer-se com o desejo dá trabalho, mas nos torna psiquicamente mais saudáveis. Ou felizes, para ser mais senso comum. 

No frigir dos ovos, love is all you need! 


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